Trabalho e segurança em mineração

Ambiente hostil exige gerenciamento de risco em todos os níveis de produção

No mundo milhares de mineros  morrem por conta de acidentes a cada ano, especialmente no processo de carvão  e mineração de rocha dura. O assunto é delicado, conta com pouco material  de pesquisa e grandes mineradoras  recusam-se  a  falar sobre o assunto, alegando não ter interesse em participar de uma reportagem, cujo o foco é apresentar  os principais riscos elétricos dentro de uma mina e métodos preventivos.

Dados da Organização  Internacional do Trabalho ( OIT ) apontam que, atualmente, a maior parte das mortes no setor ocorre em países em desenvolvimento, com destaque pra China, onde se morre em média 13 mineros por dia, colocando o país no topo  do ranking de fatalidades em mineração de carvão. A China é responsável por cerca de  80% do total mundial de acidentes, apesar de ser responsável por somente 35% do carvão consumido no mundo. Para efeitos de comparação, nos Estados Unidos, hoje há cerca de 70 mortes por ano, em decorrência de acidentes, na indústria de mineração e de carvão.

De acordo com o Ministério da Previdência Social, entre  1998 e 2009 a indústria  da mineração vem ocupando elevados níveis de mortalidade no Brasil. De 2003 a 2005,  a indústria extrativa mineral , em particular também apresentou  um aumento significativo no número de emissões das Comunicações de Acidentes como em doenças. Os acidentes saltaram de 2.300 em 2003, para 4.215 em 2005, um aumento de 83%. Os de trajeto foram de 130 em 2003 para 51 em 2005 – 93% a mais no comparativo. Já as doenças foram 148 em 2003 e 221 em 2005, um salto de 50%.

Apesar dos números elevados, ao longo dos últimos 40 anos prevenção de acidentes e de doenças ocupacionais nas indústrias brasileiras vem passando por mudanças substanciais, segundo o relatório intitulado ” Mineração – Programa Especial  de Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração ”, de autoria do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Especificamente sobre o setor, há normas de segurança e Sáude Ocupacional  que se aplicam à industria da mineração. São elas a NR-22/ TEM- Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego que trata de Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração e a NRM-22/DNPM – Norma Regulamentadora da Mineração do Departamento Nacional de Produção Mineral  (DNPM ), que trata da proteção dos trabalhadores. Os dispositivos  legais além de contemplarem aspectos técnicos específicos do setor, como operações com explosivos  e estabilidade de maciços, preveem  a adoção de programas de gerenciamneto de riscos, que estimulam a gestão da segurança e saúde ocupacional, facilitando, inclusive, o cumprimento das exigências técnicas da prevenção.

Como resultados, foi observado que o número de acidentes caiu de 6.396 em 2008 para 6.6016 em 2010. O assunto foi tema de discussão no 2º Congresso Internacional de Direito de Fiscalização do DNPM, Walter Lins Arcoverde, explicou que a expansão da produção mineral, com ênfase  no aumento da demanda mundial pelo minério de ferro, forçou o setor  a contratar em curto espaço de tempo, não havendo tempo suficiente para profissionalizar os trabalhadores contratados. O fato foi determinante, no Brasil, para que a mineração seguisse como uma das líderes das estatísticas de acidentes de trabalho.

Apesar da redução dos últimos anos, o setor ainda é responsável  por quase 30% das ocorrências registradas, segundo estudo feito pelo Tribunal Superior do Trabalho  ( TST) em 2010. O custo também é elevado: R$ 71 bilhões são comprometidos em função destas fatalidades. O número representa 9% da folha salarial para o setor formal.

Principais ocorrências

O professor  titular do departamento de engenharia de minas e petróleo da Universidade de São Paulo, Sérgio Médici de Eston, explica que as condições perigosas em minas são muitas e variam com céu aberto ou subsolo. A céu aberto há máquinas de muito grande porte como caminhões de até 400t, escavadoras, draglines, shovels, moinhos, britadores com consumo de energia elétrica em média tensão ( 4,1 kv até 13,8kv).  ”Acidentes podem ocorrer, em geral são fatais ”, aponta Eston.

Em minas de subsolo além destas condições perigosas, há sérios problemas com relação a gases explosivos ( como metano, monóxido de carbono, hidrogênio etc.) que exigem instalações elétricas adequadas para áreas classificadas. Há ainda gases tóxicos como H2S  e  SO2, além de asfixiantes simples como o CO2, por isso, um adequado sistema de ventilação é importante. ” Toda vez que se utilizam máquinas e equipamentos de grande porte, pode-se ter acidentes se não houver uma boa cultura de gerenciamento de risco”, explica o professor.

Riscos de maior gravidade

* Desmoronamento de tetos em galerias subterrâneas

*Abatimento de fragmentos de rochas de médio  e  grande portes

*Manuseio de explosivos

*Trabalho em alturas elevadas

*Manuseio de produtos químicos de alta toxidade

*Trabalho em ambiente confinado

*Exposição a gases explosivos

*Inundações

*Carregamento de transporte de blocos de rochas

Especificamente sobre os riscos elétricos, o engenheiro Roberval Bulgarelli, consultor técnico da Petrobrás, salienta que as explosões nas minas subterrâneas, as quais podem conter atmosferas explosivas de gases combustíveis, tal como o metano, são uma das grandes preocupações das mineradoras, por apresentarem consequências muitas vezes fatais. Não raramente, é possível acompanhar, na televisão e  jornais diversos casos de acidentes decorrentes de explosões em minas de carvão na China, com a ocorrência de mortes na maoria das vezes.

” Para estes ambientes de minas subterrâneas contendo atmosferas explosivas, é necessário que existam rigorosos procedimentos de segurança, incluindo a instalação e a manutenção de sistemas de ventilação forçada, de forma a manter os gases explosivos abaixo de seu limite inferior de explosividade ”, explica Bulgarelli.

Também há a necessidade de que os equipamentos elétricos possuam um tipo de proteção ” EX ” de forma a assegurar que estes não tornem fontes de faiscas ou de pontos de alta temperatura , capazes de gerar explosão. Ao mesmo tempo, os equipamentos mecânicos necessitam possuir requisitos especiais de fabricação, ensaios,  manutenção e reparos, de forma que possam ser utilizados com segurança.

Sobre este tema, o TC-31 da IEC encontra-se no presente momento, em processo de elaboração da Norma ISO/IEC  80079-38 – Atmosferas explosivas – Equipamentos não elétricos para utilização em atmosferas explosivas – Parte 38: Equipamentos e componentes em atmosferas explosivas em minas subterrâneas, com previsão de publicação em 2014.

Bulgarelli  lembra a necessidade de se ressaltar que no Brasil, desde 1991, vigora uma legislação emitida pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) específica sobre a necessidade de equipamentos elétricos para a instalação em atmosferas explosivas de gases inflamáveis e de poeiras combustíveis.

No entanto, esta legislação brasileira ainda não abrange a obrigatoriedade de utilização de equipamentos elétricos certificados parea áreas de minas subterrâneas contendo atmosferas explosivas.  ” Este é um requisito que a sociedade brasileira deveria exigir do Inmetro para ser incluido na próxima revisão da respectiva Portaria sobre este assunto ”, defende Bulgarelli. Além disso, na opnião do consultor, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) deveria também atuar neste sentido, de forma a elevar os níveis de segurança dos empregados que trabalham nestas áreas de riscos, de modo similar como é feito em diversos países do mundo.

Outro fator relacionado  aos riscos  de acidentes está atrelado à qualificação, experiência conhecimentos e habilidades dos trabalhadores na execução das ações e atividades para os quais estes são responsáveis, problema que já foi mencionado quando houve aumento da demanda de mão de obra. ” Muitos trabalhadores  da área de mineração trabalham em áreas classificadas contendo atmosferas explosivas. Desta forma, há a necessidade de que eles possuam as devidas  e necessárias competências pessoais e estejam cientes dos riscos aos quais estão expostos.

Nessa direção, foi publicada pela ABNT, em 10 de abril de 2012, a norma ABNT IECEx OD 504 – Especificações  para avaliação de resultados das unidades de competência. Este documento  operacional detalha as competências pessoais requeridas para as atividades relacionadas com equipamentos EX  e os requisitos para as quais as competências pessoais devam ser avaliadas  e atribuídas.

O documento apresenta também uma orientação para avaliação das competências pessoais baseada nos conhecimentos e nas habilidades  que definem as Unidades de Competências. As competências pessoais especificadas nesse documento são destinadas a serem competências adicionais àquelas previamente adquiridas para o tipo de atividade similar em áraes não classificadas.

O Inmetro já priorizou, para seu programa de avaliação da conformidade no quadriênio 2012/2015, a elaboração do programa brasileiro de certificação de competências pessoais em atmosferas explosivas, com base nos requisitos internacionais estabelecidos pelo IEC System for Certification to Standards relating to Equipament for use in Explosive Atmospheres (IECEx). ” A ONU tem incentivado e apoiado a implantação deste sistema, em todos os países membros, de forma a elevar os níveis de segurança em atmosferas explosivas, comumente encontradas no setor de mineração ”, explica Bulgarelli.

Principais medidas de segurança

Para superar os números negativos nas estatísticas, Alexandre Trajano de Arruda, engenheiro de minas e de segurança do trabalho vinculado ao DNPM, afirma que o País vem desenvolvendo um conjunto de práticas e de procedimentos utilizados pelas  empresas de mineração no Brasil e no mundo, que estimulam a criação de novas e eficientes tecnologias, que favorecem a segurança do trabalhador, diante das diferentes naturezas, do trabalhador e métodos de lavra e beneficiamento de minerais aplicados. Dentre as técnicas estão:

a) Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR) de alta qualidade, elaborados por equipes especializadas com a participação das gerências e trabalhadores das áreas de maior risco da mina com a imprescindível e obrigatória participação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes na Mineração ( Cipamin), com suporte em um processo  consistente, um cronograma de execução rigorosamente atendido e permanentemente avaliado os resultados;

b)Aplicação do disposto nas Normas Reguladoras de Mineração – NRM, do DNPM – Portaria n° 12/2012;

c) Auditoria interna sistêmica e externa periódica, de segurança técnica  operacional e do trabalho e higiene e saúde do trabalhador;

d) Desenvolvimento, aperfeiçoamento e avaliação permanente da eficiência do Programa de Gestão de incidentes Perigosos implantado na Mina;

e) Investimento na capacitação técnica e aquisição de equipamentos e aparelhos de avaliação das condições de equipamentos e aparelhos de avaliação das condições de segurança operacional e do trabalho, bem como de higiene ocupacional nas minas.

O engenheiro Bulgarelli ressalta também que há diversas ações sendo tomadas no sentido de elevar o nível de automação das instalações de mineração, como forma de diminuir acidentes. ” Esta automação colabora diretamente com os requisitos de segurança dos trabalhadores, uma vez que estes ficam menos  expostos às atividades de maior risco, como escavação, transporte, carregamento e descarregamento de minério por caminhões, vagões ou esteiras rolantes”, afirma o consultor. Além disso, este tipo de ação envolvendo automação colabora também para uma mecanização daquelas operações mais rotineiras e repetitivas, contribuindo com a segurança dos trabalhadores envolvidos e com a melhoria da qualidade dos produtos.

O professor Sérgio Médici de Eston revela que a segurança em minas passa por um adequado sistema de gerenciamento de riscos. Para isso, há empresas no estágio inicial ( básico) até empresas já adentrando ( em alguns aspectos) no quinto estágio chamado resiliente.. ” A melhor arma contra acidentes e para proteção do trabalhador é a criação de um processo de gerenciamento de risco de segurança, responsável por implantar uma sólida cultura de gerenciamento de riscos”, defende.

Um dos processos de classe mundial está relacionado a treinamento de pessoa e chama-se Global Mineral Industry Risk Management (G MIRM), desenvolvido na Austrália, uma país minerador por execelência, na Universidade de Queensland. O treinamento é aplicado nas empresas através de um conjunto de universidades credenciadas, da Austrália, África do Sul, Brasil, Chile, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, etc.

No Brasil a Universidade de São Paulo ( USP), por meio do LACASEMIN – laboratório de controle ambiental, higiene e segurança na mineração do Departamento de Engenharia de Minas e Petróleo.  ” Boas empresas  ou têm um sólido programa de gerenciamento de risco, ou estão mplantando algum tipo de programa, o que é  fundamental para garantir segurança e saúde aos trabalhadores do setor” finaliza Eston.